Conversão: fenômeno da atualidade
- Clipping Vitae
- 25 de jul.
- 4 min de leitura
Vivemos dias de dispersão interior. As pessoas correm, conectam-se, opinam, mas poucas sabem, de fato, quem são. Há uma inquietação que atravessa corações e telas. É o vazio silencioso de quem busca, mas tem dificuldade de encontrar o sentido.
Diante disso, uma palavra - antiga, exigente, quase esquecida - ressurge com força: conversão. Depois de um longo período de declínio religioso, assistimos a um rebrotar da fé.
Um dos principais fatores por trás dessa mudança é a religiosidade surpreendente da Geração Z - jovens adultos nascidos após o ano 2000 - que, diferentemente de seus pais, não estão abandonando a fé. Ao contrário.
Para muitos, como bem lembrou John Hirschauer, em artigo publicado no City Journal, “a religião passou a ser uma forma de rebelião contra a cultura dominante que rejeita valores tradicionais”. É um fenômeno de grande atualidade. No Brasil e no mundo. A conversão é um tema jornalístico. Merece um artigo.
Conversão não é modismo espiritual nem recuo supersticioso. Trata-se de uma experiência profundamente humana, que transforma a vida de dentro para fora. Um retorno à verdade de si mesmo. Uma travessia interior. Um reencontro com Deus. E ninguém traduziu essa experiência com tanta lucidez quanto Santo Agostinho, um dos maiores pensadores da história cristã.
Nascido em Tagaste, no norte da África, em 354, Agostinho viveu uma juventude brilhante, mas desordenada. Inteligente, sedento de reconhecimento, mergulhou em amores passageiros e doutrinas de ocasião. Buscava a verdade, mas se perdia nos atalhos.
Durante anos, aderiu ao maniqueísmo - seita dualista que prometia respostas fáceis para questões profundas. Ao mesmo tempo, encantava-se com a filosofia clássica e, aos poucos, aproximava-se do cristianismo.
Sua conversão foi longa, dramática, cheia de avanços e recaídas. Ele mesmo admite, nas célebres Confissões: “Dá-me a castidade e a continência, mas não agora”. A frase revela o conflito interno de quem deseja mudar, mas ainda está preso às próprias algemas. O processo culmina em um episódio decisivo: angustiado, ouviu a voz de uma criança dizendo: “Toma e lê”. Abriu as Escrituras e leu Romanos 13,13-14: “Revistamo-nos do Senhor Jesus Cristo”. A partir daquele momento, não houve mais retorno.
Agostinho foi batizado por Santo Ambrósio, tornou-se bispo de Hipona e escreveu obras que moldaram o pensamento ocidental. Sua conversão não foi apenas uma mudança moral, mas uma nova maneira de viver, pensar e amar.
Uma resposta consciente à graça que o procurava desde sempre. Como ele afirmou: “Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei. Estavas dentro de mim, e eu fora, e lá fora te procurava”.
A beleza da conversão está justamente aí: Deus nunca desiste. Mesmo quando nos afastamos, Ele permanece. E espera. A conversão não é uma performance religiosa, mas um ato de humildade e confiança. É reconhecer que o caminho que trilhávamos não levava à plenitude. É admitir que precisamos de Deus, não como muleta, mas como fundamento.
Num mundo cada vez mais relativista e ruidoso, falar de conversão parece quase um desafio contracultural. Mas é um desafio necessário. A sociedade atual, muitas vezes hostil à fé e escrava de prazeres imediatos, precisa reencontrar o essencial.
Não se trata de moralismo barato nem de imposições. Trata-se de liberdade.
VEJA TAMBÉM:
A verdadeira conversão é libertadora porque nos reconcilia com a verdade. E a verdade, ainda que custe, salva
Santo Agostinho também nos lembra que a conversão não é um ponto final. É um começo renovado. Ele dizia que, mesmo depois de convertido, precisava constantemente retornar ao Senhor.
A vida cristã é feita de recomeços. De quedas e levantes. De luta interior. De paciência com os próprios limites e confiança no amor misericordioso de Deus. É um caminho. E, como todo caminho, exige direção, esforço e esperança.
É importante lembrar, ainda, que a conversão não significa rejeitar o mundo. Ao contrário. Significa vivê-lo com outros olhos. Iluminados pela fé. O cristão convertido não foge da realidade. Atua nela com responsabilidade e caridade.
Santo Agostinho, depois de abandonar os erros, não se isolou num convento. Tornou-se bispo, pregador, educador e articulador da vida pública de sua época. A fé não o alienou. O humanizou.
Em tempos de superficialidade, Santo Agostinho aponta o caminho do aprofundamento. Em tempos de slogans fáceis, propõe a sabedoria. Em tempos de egoísmo disfarçado de autenticidade, oferece o amor exigente do Evangelho. Seu testemunho continua atual porque fala à alma ferida do homem moderno, que muitas vezes não sabe, mas precisa de Deus.
É preciso dizer com serenidade e firmeza: o mundo precisa de conversão. E ela começa em cada um de nós. No silêncio de uma oração sincera. No abandono de um pecado antigo. No reencontro com a Palavra. Na humildade de pedir perdão. Na decisão concreta de mudar. Conversão é um dom, mas também é escolha. Deus não força a porta. Bate. Cabe a nós abrir.
Santo Agostinho, com sua inteligência brilhante e coração arrependido, nos ensina que não há passado que Deus não possa redimir, nem história que Ele não possa reescrever.
Conteúdo editado por: Aline Menezes
Carlos Alberto Di Franco
Carlos Alberto Di Franco é bacharel em Direito, especialista em Jornalismo Brasileiro e Comparado, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, diretor do programa Estratégias Digitais para Empresas de Mídia do ISE, professor convidado da Faculdade de Comunicação Social Institucional da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), diretor da Di Franco Consultoria em Estratégia de Mídia e consultor de Empresas Informativas. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.
Comments