Eugenismo ambientalista
- Clipping Vitae
- 11 de jul.
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O eugenismo é uma teoria falsamente científica, a partir da qual pessoas fracas são eliminadas para “melhoria” da população e da sociedade. O termo foi criado por Francis Galton, em 1883, na Inglaterra. Cresceu entre a Primeira e a Segunda Guerra. Na década de 1920, havia até um Instituto Brasileiro de Eugenia no Rio de Janeiro. A maior deriva do eugenismo ocorreu na Alemanha Nazista com suas teorias racistas. Apesar do atual revisionismo antissemita, o inominável genocídio do Holocausto ou Shoah foi perpetrado. Esses termos têm dimensão cósmica. “Holocausto” (ὁλόκαυτος/holókautos), do grego: hólos, “tudo”, “inteiro”, como em “holístico”; e kautós, “queimado”, como em “cauterizar”. No holocausto, a oferenda era queimada inteiramente. “Shoah” (שׁוֹאָה), em hebraico, evoca “devastação”. Tem raiz bíblica: shoah u-meshoah (“devastação” e “desolação”) e aparece em Sofonias (1,15) e Jó (30,3).
Alemães e austríacos, em razão de deficiências físicas ou mentais, foram eliminados pela Aktion T4, campanha conduzida pelo regime nazista. Mais de 300 mil pessoas, entre 1939 e 1945, foram mortas por medicação, fome ou em câmaras de gás. Nazistas aplicaram o eugenismo biológico contra seu próprio povo. Na Amazônia, algo semelhante começa a ocorrer com agricultores e ribeirinhos? Estariam ameaçados de extinção? Quantos são?
Há 1 milhão de produtores rurais no bioma Amazônia. Os pequenos são 89% deles, com áreas inferiores a quatro módulos fiscais. A Embrapa Territorial quantificou esses produtores ao integrar o Censo Agropecuário e o Cadastro Ambiental Rural. Cada um está georreferenciado na Embrapa.
Os produtores da Amazônia não se assemelham aos do resto do Brasil. Sua condição legal é mista (proprietários, arrendatários, assentados, ocupantes, ribeirinhos, extrativistas…), das mais estáveis às mais precárias, em terras devolutas e privadas. Não cabe simplismo, reducionismo ou narrativa idealista, sem dados, em questões agrícolas, agrárias e rurais da Amazônia.
Lá, o Incra assentou 510 mil famílias, em 2.406 projetos agrários. Todas em pequenas áreas. Resultado das políticas de ocupação e integração da Amazônia de 1960 até 1980: “Integrar, para não entregar” ou “Terra sem homens, para homens sem terras”. Após 50 anos, a maioria dos assentados agrários na Amazônia não possui o título de propriedade.
Também colonos, incentivados pelo governo, assim como os assentados, deixaram o Sul e o Sudeste e instalaram-se em estradas como Belém-Brasília, Transamazônica, BR-364, BR-163 e outras, entre 1970 e 1990, em locais indicados pelo Incra. Construíram suas pequenas propriedades. E ainda aguardam a regularização fundiária e o título, como os assentados.
Muitas vezes, agricultores e pecuaristas são acusados de invadir unidades de conservação — UCs (parques nacionais, estaduais…) e terras indígenas — TIs. Será verdade? Em 1988, depois desse período de colonização agrícola e reforma agrária na Amazônia, no momento da Constituinte, havia no Brasil 284 UCs. De lá para cá, foram multiplicadas por dez, e totalizam 2.817 unidades, criadas após a instalação dos produtores rurais.
Não foram os produtores, e sim o parque nacional, quem “invadiu” o mundo rural. A partir da decretação de um parque ou reserva extrativista, impõe-se ao produtor limitações legais à sua atividade. Se no Parque Nacional do Itatiaia (RJ), o primeiro criado em 1937, até hoje o Estado não indenizou as famílias ali residentes, imagine na Amazônia.
Ninguém é contra criar UCs. O Estado ao criá-las também deve buscar soluções viáveis, social e economicamente justas, aos produtores atingidos. Um plano compatível a cada situação é necessário. Nada existe. Esse seria o papel equilibrado do Estado: mediar, buscar soluções e evitar conflitos.
Dinâmica territorial análoga ocorreu com as terras indígenas. Eram 60 em 1988. Hoje são 634. Também foram multiplicadas por dez. Sua extensão alcançou milhares de produtores rurais, em parte ali instalados pelo Estado. Fala-se de extrusão de produtores de terras indígenas. Na realidade, estas foram criadas e sobrepostas a assentamentos e ao mundo rural consolidado.
Conflitos surgem quando propriedades rurais, certificadas no Sistema de Gestão Fundiária, sofrem impedimentos ao serem atingidas pela pretensão futura de terras indígenas não homologadas, gerando insegurança jurídica e fundiária. O mesmo processo também gera conflitos e atinge direitos dos quilombolas. No Pará, agricultores tiveram bens destruídos e foram expulsos de áreas onde há pretensão de extensão de uma TI, não homologada.
O debate do Marco Temporal sobre criar ou estender novas TIs, conduzido pelo STF, ilustra a complexidade do tema e a necessidade de uma postura mais equilibrada do Estado para os produtores atingidos, hoje inexistente.
Em 1988, eram 344 áreas protegidas (UCs + TIs), 34.803.600 hectares, ou 4,1% do território. Hoje, são 3.457 áreas protegidas, 260.330.607 hectares. Como gerir 30,5% do território nacional, retirado da infraestrutura e dos sistemas produtivos de mineração, indústria, agricultura e serviços, sobretudo na Amazônia? Somando-se as terras de assentamentos agrários, quilombolas e militares, têm-se 12.160 unidades legalmente atribuídas. O mapa ilustra o quadro da grave situação territorial resultante da ausência de coordenação do Estado, acima de interesses setoriais e minoritários.
A regularização fundiária na Amazônia, a tão esperada segurança jurídica ao agricultor, não acontece. Ao contrário, suas situações são “ilegalizadas” por novas medidas administrativas, em favor de áreas protegidas, contra o produtor, sem considerar a história da situação (Revista Oeste, Edição 242).
Um milhão de produtores rurais da Amazônia estão ausentes dos fóruns e temas exotéricos da futura COP30. Sem assistência técnica, sem crédito ou seguro rural, nem programas de desenvolvimento e extensão, vítimas de narrativas e abandonados pela esquerda identitária, eles são uma espécie ameaçada de extinção. Sem eles, a Amazônia passará ainda mais fome.
Na região com os piores indicadores sociais do Brasil, apesar das demandas urgentes por saúde, educação, saneamento e alimentação, em junho o governo federal anunciou repasse de R$ 825,7 milhões ao Ibama, para fortalecer a fiscalização ambiental (FortFisc). A maior parte (R$ 522,7 milhões) será usada na compra de helicópteros de grande porte com proteção balística, drones de alta tecnologia e construção de bases aéreas.
A Ré-pública, hoje sem a isenção e a grandeza esperadas do Poder Público, deveria buscar o bem-estar de todos. Ela assume um lado e aplica políticas do “nós contra eles”. Com a COP30 no horizonte, o eugenismo ambientalista atingiu intensidade nunca vista no Acre, Rondônia, Amazonas e Pará.
Pequenos agricultores, sem direito de defesa, são vitimados por embargos remotos, decretados com erros, sem a possibilidade de individualizar a infração. São notificados no Diário Oficial da União (DOU), de leitura não obrigatória, sobretudo no campo. É como se a ordem de despejo do mau inquilino fosse aplicada a todos os moradores da quadra. Em maio, o DOU publicou edital com 881 CPFs embargados, somente em Porto Velho, por dedução remota de crime ambiental. Em Rondônia, milhares de pequenos agricultores, inviabilizados por embargos remotos, não podem vender suas colheitas nem têm onde estocá-las. Voilà, o eugenismo ambientalista em ação.
Se há ilegalidades, em vez de retirar a laranja podre do cesto, agentes do Ministério Público, Ibama e ICMBio (salvo exceções) parecem achar mais fácil jogar fora todas as frutas. E queimar o cesto. Bovinos são confiscados, sem indenização, e abatidos. Imagine, na cidade, alguém ser despejado, ter a casa destruída e o carro vendido, sem ressarcimento. Em Brasileia, no Acre, apesar da narrativa do Ministério do Meio Ambiente sobre a Operação Suçuarana, moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes negam as afirmativas do governo. Eles fecharam a BR-317 em Xapuri várias vezes contra a apreensão do gado. “Estão prendendo nosso gado, atrapalhando nossa produção, e quem sente é o povo trabalhador”, dizia a nota dos moradores, convocando a novos protestos.
O gado confiscado foi para abate, sem indenização. O frigorífico Norte Acre, em nota, informou não compactuar com a Operação Suçuarana: a empresa foi pega de surpresa com a chegada dos animais. Não abateu nenhum e solicitou sua retirada ao ICMBio. A seguir, uma organização criminosa forte na Amazônia “soltou” os animais. Eles se espalharam por matas e arredores de Brasileia. Quando criminosos agem teoricamente em favor de produtores, preocupa qual é o real papel do Estado na Amazônia.
No Pará, cacaueiros são cortados na base por motosserras de agentes ambientais. Casas e currais são demolidos. Agricultores e mães amamentando são deixados no meio da mata. Pais de famílias rurais se suicidaram. Esse desrespeito aos direitos humanos evoca o verdadeiro ecocídio: o crime cometido contra humanos em nome do meio ambiente, e não o contrário.
Os defensores dos direitos humanos se calam. Ou pior, relatam essas ações como faroeste de mocinhos contra bandidos. Sites de ONGs e parte da mídia as apoiam. Para um senador do Amazonas, as ações do ICMBio, conduzidas para desocupar áreas de conservação, são um câncer terminal. O governador do Amazonas pediu contenção na crise fundiária e ambiental. E parlamentares e prefeitos, o fim da violência em operações ambientais.
Imagens e vídeos dessas crueldades e da incapacidade do Estado de arbitrar e solucionar essas situações com justiça já são expostos publicamente em painéis, redes sociais, eventos e outras iniciativas. E serão na COP30.
Apenas comando, controle e repressão não desenvolverão a Amazônia e seus 30 milhões de habitantes em 748 cidades. O futuro da Amazônia não pode ficar apenas nas mãos do Ministério do Meio Ambiente. Pequenos agricultores esperam solidariedade da mídia, igrejas, CNBB, OAB e lideranças rurais.
Atores do agronegócio no Sudeste e Centro-Oeste, triunfantes em seus resultados e congressos, escrevem manifestos sobre sustentabilidade e esquecem: seus antepassados foram colonos e nunca enfrentaram arbitrariedades e injustiças, como ocorre hoje na Amazônia.
Quem combaterá o crescente eugenismo ambientalista, organizado pelo eixo do mal, contra a população mais pobre da região mais rica do Brasil? A Amazônia precisa de paz na terra, pelos homens de boa vontade.
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